quinta-feira, 6 de março de 2014

Moça de preto

Havia 3 dias que ela estava ali. Sempre parada, com a mesma expressão sarcástica no rosto. Eu a via no café, no almoço, na janta. Eu a via o tempo todo.

Evitei ficar em casa durante esses dias. Ela sempre aparecia no topo da escada, me impedindo de descer, e do nada, desaparecia. Seus olhos escuros traziam a sensação de um vazio que sugava a alma; seus lábios vermelhos sangue aliado aos longos cabelos negros cacheados traziam um ar de sedução ao rosto esbelto da moça de pele morena.

 Era um rosto contraditório, trazendo a vontade de passar horas lhe olhando. Mas também despertava um horror inimaginável. A presença dela emanava tal sentimento.

Quando a vi pela primeira vez, julguei ter deixado a porta do apartamento aberta e ela ser uma vizinha realizando uma possível visita. Perguntei quem ela era e o que desejava, mas tudo que consegui foi aquele sorriso sarcástico que causava a sensação de atração e a incrível vontade de pular o parapeito da escada e cometer suicídio. Não ousei tocá-la. O ar ficava frio todas as vezes que ela aparecia.

No terceiro dia, perguntei novamente o que ela queria ali e se precisava de ajuda. Sempre ouvi histórias de almas que não conseguiam deixar o plano terreno e buscavam por ajuda. Julguei que ela seria uma dessas. Aquele foi meu maior engano.

Após o fim da pergunta, ela me encarou, como sempre, porém, ela respondeu com um caloroso sorriso. Aquilo me encantou. Como ela era linda. Deveria tê-la tocado antes, o frio devia ser apenas uma sensação de medo pelo fato de ela ir e vir sem prévio aviso e se instalar sempre no mesmo local.

A sensação de encanto logo passou, quando o rosto da moça se contorceu em uma máscara que o próprio rei dos 7 infernos poderia ter forjado. Seus dentes se tornaram presas e suas unhas longas garras. O cabelo negro se tornou chamas que queimaram todo o vestido que usava. Seu rosto tornou-se grotesco, como o das gárgulas das catedrais de Londres. Mas o que mais me amedrontou foram os olhos. Meu Deus, aqueles olhos. A sensação de que eles tragavam minha alma se tornou real. Podia ver a essência da vida deixando meu corpo.

Corri para o meu quarto e fechei a porta. Não adiantou. Com três murros e um rugido o demônio a derrubou. O cabelo fumegante enegreceu as paredes em volta, o sorriso animalesco e os olhos vidrados em mim.

Agarrei o terço que minha avó me dera havia tantos anos e rezei.

Acordei aqui, em um hospital para doidos. Uma enfermeira me disse que o apartamento em que morava pegou fogo; fui encontrado entre as chamas e socorrido pelos bombeiros. Passei alguns dias inconsciente e quando acordei, apenas delirava. Como não possuía família, o hospital decidiu me enviar para lá, uma vez que os delírios relatavam uma visão grotesca de um pós vida.

 Ninguém acreditou em minha história, exceto uma senhora, também paciente, que afirmava já ter visto a morte e conhecido o pós vida que eu dizia em meus delírios. Segundo ela, alguns demônios vinham a terra para levar almas aleatórias para as trevas. As vitimas eram escolhidas sem nenhuma razão especial e o terceiro dia era sempre o escolhido para ceifar a alma. Esta ficava vagando na escuridão eterna, sofrendo por pecados não cometidos.

Na mesma noite em que ouvi a história da senhora, recebi flores. Elas eram negras e cheiravam a morte. A luz do quarto vacilou. Senti frio.

Me levantei para procurar uma enfermeira e perguntar de onde vieram as flores. A porta do quarto se abriu quando me encontrava a menos de 2 metros dela. A bela moça morena adentrou o cômodo.

Me afastei em pânico ao fundo do quarto, o rosto dela se transformando, o quarto se tornando negro, o frio se tornando uma queimação que invadia o âmago de minha alma. Não havia para onde correr.

Sentei encolhido no canto do quarto. Lágrimas escaparam do rosto com a vinda do demônio. O sorriso grotesco se espalhando por seu rosto. Ela se aproximou de mim, me encarando com as fendas negras que levavam minha vida aos poucos. Sua boca monstruosa se aproximou da minha e com um beijo de fogo, minha alma se foi, perdida no vazio da existência sobrenatural.

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